O POVO CIGANO
A ORIGEM DO POVO CIGANO
Quando se
estuda a origem de um povo, sua formação e desenvolvimento como estrutura
social, religiosa, econômica, este estudo se baseia fundamentalmente em
documentos ou registros escritos, que ao lado de outros elementos como ruínas
da arquitetura da época, pinturas, armas, túmulos, recintos que sugerem ter
sido usados como sacros, objetos os mais diversos, especialmente de uso
doméstico, recompõem toda a narrativa histórica de um conjunto de indivíduos
que habitam a mesma região, ficando subordinados às mesmas leis e partilhando
dos mesmos hábitos e costumes. A mais importante fonte de referência, é a
narrativa escrita, encontrada em papéis (pergaminhos, papiros, folhas de papel
de arroz), documentos, livros, poemas, mapas, inscrições em lugares santos, ou
outros locais de devoção considerados sagrados, onde são encontradas marcas de
rituais e altares de oferendas aos deuses.
Como o
Povo Cigano, não tem até os dias atuais, uma linguagem escrita, fica quase
impossível definir sua verdadeira origem. Portanto, tudo o que se disser sobre
a origem do Povo Cigano, será baseado em conjecturas, similaridades ou
suposições.
A
hipótese mais aceita é que o Povo Cigano teve seu berço na civilização da Índia
antiga, num tempo que também se supõe, como muito antigo, talvez dois ou três
milênios antes de Cristo. Compara-se o sânscrito, que era escrito e falado na
Índia (um dos mais antigos idiomas do mundo), com o idioma falado pelos ciganos
e encontraram um sem-número de palavras com o mesmo significado.
Outros
pontos também colaboram para que esta hipótese seja reforçada, como a tez
morena comum aos hindus e ciganos, o gosto por roupas vistosas e coloridas, e
princípios religiosos como a crença na reencarnação e na existência de um Deus
Pai e Absoluto.
Tanto
para os hindus como para os ciganos, a religiosidade é muito forte e norteia
muito de seu comportamento, impondo normas e fundamentos importantes, que devem
ser respeitados e obedecidos.
Outro
fato que chama a atenção para a provável origem indiana do povo cigano, é a
santa por quem nutrem o mais devotado amor e respeito, chamada Santa Sara Kali.
Kali é
venerada pelo povo hindu como uma deusa, que consideram como a Mãe Universal,
a Alma Mater, a Sombra da Morte. Sua pele é negra tal como Shiva,
uma das pessoas da Trindade Divina para os indianos (Braman, Vishu e Shiva).
Para os
ciganos, Sara, santa venerada, possui a pele negra, daí ser conhecida como Sara
Kali, a negra. Ela distribui bênçãos ao povo, patrocina a família, os
acampamentos, os alimentos e também tem força destruidora, aniquilando os
poderes negativos e os malefícios que possam assolar a nação cigana.
Alguns
estudiosos acham a tradução de Kali como a negra não correta, escrevendo
inclusive Kali com C (Cali) e não com K e preferem Sara, a
cigana, fato que de certa forma pode expressar o preconceito racial (a
verdadeira Santa Sara, tinha a pele negra), uma vez que no povo cigano não há
negros, ou sob outro ângulo, desconhecimento de todo o aparato místico e de
poder que envolve a deusa Kali dos indianos.
MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS E O NOMADISMO CIGANO
Ainda
estudando a história dos povos, vemos com freqüência que, perseguições
religiosas, ambições dos mais diversos tipos e baseadas em diferentes razões
(ideopolíticas, catequético-religiosas), busca de fortuna, da descoberta de
novas terras ou rotas marítimas, ou simplesmente espírito de aventura,
motivaram e ainda motivam movimentos migratórios.
Baseando-se
nas mesmas causas dos movimentos migratórios, podemos supor que num passado
muito remoto, o povo cigano também iniciou uma caminhada em busca de novas
terras onde pudessem viver com liberdade, mantendo seus hábitos e costumes
originais, liberdade que lhe permitiria sua perpetuação, a sobrevivência de
seus valores e a de seus direitos como seres humanos livres.
O nômade
experimenta o mais amplo sentido de liberdade. Não tem apego a nenhum lugar em
especial, não deita raízes que não possam ser arrancadas quando o desejo de
ganhar estrada acontecer. Daí que suas moradias, as tendas de tecidos
permeáveis e resistentes, e seus pertences em geral, devem ser confortáveis,
mas essenciais e leves. O nômade não se preocupa com o possuir, mas com o
viver.
As
populações ciganas são nômades por excelência, não têm pátria, são universais.
Viajam em grupos de famílias, que possuem um profundo sentido de união,
solidariedade e companheirismo. Formam núcleos comunitários compactos com
normas e regras de convivência harmoniosas. Essas regras são levadas a sério,
portanto respeitadas ao máximo, pois os ciganos sabem que são elas que garantem
a união e a sobrevivência do próprio grupo e a defesa contra as difamações e
perseguições oriundas das populações dos diversos países por onde passam.
OS PRECONCEITOS
Por outro
lado, os ciganos também não se esforçam por quebrar as barreiras, que os
separam dos demais povos, talvez por saberem que se abrirem os limites de seus
acampamentos aos gadjôs ou não-ciganos, também chamados de gadjês,
a mescla dos povos será inevitável, as tradições perderão sua pureza, os
costumes e hábitos serão modificados, os princípios e valores de tal maneira
modificados, que paulatinamente acabariam por destruir e matar o povo cigano.
Existe
uma idéia geral de que as populações do mundo têm preconceitos contra os
ciganos; porém, se observarmos com atenção, veremos que é só eles que têm
preconceitos, que não querem se misturar, desaconselhando e combatendo
severamente os relacionamentos entre ciganos e não-ciganos, especialmente as
uniões pelo casamento.
O IDIOMA
Uma das
maneiras de os ciganos se manterem unidos, vivos, com suas tradições
preservadas é o idioma universalmente falado por eles, o romani ou rumanez,
que é uma linguagem própria e exclusiva.
É
expressamente proibido ensinar o romani para os não-ciganos; e os ciganos fieis
às tradições, que prezam sua origem, seus irmãos de raça, que são verdadeiros
ciganos, sabem disto. Portanto, quando alguém que se diz cigano quiser ensinar
o romani, geralmente às custas de dinheiro, ou então passar segredos e as
íntimas particularidades da vida cigana é bom ter cuidado, pois com certeza,
ele ou ela não é um autêntico cigano, obediente aos preceitos e princípios de
seu povo. Ele poderá ser até cigano de origem, mas não será mais um cigano de
alma e coração capaz de manter a honradez de seus antepassados e contemporâneos
autênticos.
Dicionário
Cigano? Pode ser que um dia estas pessoas de vida tão reservada quanto às suas
peculiaridades desistam desse estilo de ser e estar, abram as fronteiras de
seus acampamentos e aceitem sem reservas a miscigenação. Então surgirão
dicionários ciganos. Contudo, será que ainda existirão ciganos?
A TRANSMISSÃO ORAL DOS ENSINAMENTOS
O romani
é uma língua ágrafa, ou seja, uma língua ou idioma sem forma escrita. Portanto,
para sua perpetuação o romani conta somente com a transmissão oral de uma
geração para outra, de pai para filho.
Não
existem livros ensinando uma linguagem, que não tem sequer uma apresentação
gráfica definida, pois se os ciganos tivessem se originado na Índia teríamos os
caracteres sânscritos, mas como encontramos ciganos em quase todas as partes do
mundo, o romani poderia ter os caracteres da escrita russa, ou egípcia, latina,
grega, árabe ou outra qualquer.
Assim
como o idioma, todos os demais ensinamentos e conhecimentos da cultura e
tradição ciganas dependem exclusivamente da transmissão oral. Os mais velhos
ensinam aos mais jovens e às crianças os conhecimentos do passado, o pensamento
e a maneira de viver herdados dos ancestrais.
OS CIGANOS E AS PROFISSÕES
Junto com
a modernidade, o aumento progressivo das cidades, os ciganos foram ficando cada
vez mais limitados em suas andanças, tornando-se mais sedentários ou passando a
morar mais tempo no mesmo lugar. Assim as profissões mais freqüentes são as do
comércio e as ligadas às artes, principalmente à musica. Cantores,
compositores, músicos, dançarinos, surgem com suas melodias, passos marcantes
de dança, como a flamenga da Espanha, trazendo alegria e energia contagiantes
para os recintos onde se apresentam.
Ao longo
do tempo fizeram e ainda fazem parte de trupes circenses, uma vez que o
mundo do circo sempre mudando de lugar, combina perfeitamente com o pensamento
e sentimento ciganos.
A leitura
de cartas e das mãos pelas mulheres ciganas também rende dinheiro, porém essa
atividade não é considerada uma atividade profissional, mas um ato de devoção à
fé cigana.
O povo
cigano é um povo honesto, que vive procurando manter sua dignidade e honradez,
não sendo procedente a reputação de ladrões que lhes é imputada.
O CRIS-ROMANI
Para os
ciganos a liberdade e a interação com a natureza constituem bens do mais alto
valor e estima, o que os motiva a obedecerem à um código de ética e moral até
rigoroso. Nada mais enganoso que julgá-los estroinas, devassos, desregrados ou
amorais. Seu amor pela família e pelo grupo, sua consciência que é o seu reto
proceder - talvez a única forma de preservar e perpetuar suas origens e o
próprio povo. São obedientes às leis universais, como não roubar e não matar.
Quando um cigano ou uma cigana infringe as leis é convocado o Tribunal de
Justiça ou o Cris-romani, formado por ciganos idosos ou pelos mais
velhos do grupo, que julgam os infratores, procurando exercer seu papel com o
mais alto sentido de responsabilidade e respeito.
O Cris-romani
é falado totalmente em romani, e nele somente os homens podem se manifestar. No
caso de o infrator ser uma mulher, um homem fala por ela fazendo seus apelos e
oferecendo suas explicações ou justificativas.
TRIBOS OU CLÃS?
Os
Ciganos não gostam e não aceitam a palavra tribo para denominar seus grupos,
pois não possuem chefes equivalentes aos caciques das tribos indígenas, nas
mãos de quem está o poder.
Os
ciganos também não possuem pajés ou curandeiros, ou ainda um feiticeiro em
particular, pois cada cigano e cigana tem seus talentos para a magia, possui
dons místicos, sendo portanto um feiticeiro em si mesmo. Todo povo cigano se
considera portador de virtudes doadas por Deus como patrimônio de berço,
cabendo à cada um desenvolver e aprimorar seus dons divinos da melhor e mais
adequada maneira.
Existem
autores que citam que cada grupo cigano tem seu feiticeiro particular
denominado kakú, porém esta palavra no idioma romani significa
apenas tio, não tendo qualquer credibilidade esta afirmação.
Os ciganos
preferem e acham mais correto o termo clã para denominar seus grupos.
OS PRINCIPAIS GRUPOS CIGANOS
Atualmente,
existe um sem-número de grupos ciganos, sendo os mais expressivos no presente
os seguintes:
GRUPO
KALON
Os componentes deste grupo fixaram residência especialmente na Espanha e Portugal, onde sofreram severas perseguições, pois sendo estes países profundamente católicos e conservadores, não podiam admitir os costumes ciganos, tanto que foram proibidos de falar o seu idioma, usar suas vestes típicas e realizar festas e cerimônias segundo suas tradições. O que os ciganos sofreram na Península Ibérica, lembra de certa maneira o que os negros sofreram em terras do Brasil.
Os componentes deste grupo fixaram residência especialmente na Espanha e Portugal, onde sofreram severas perseguições, pois sendo estes países profundamente católicos e conservadores, não podiam admitir os costumes ciganos, tanto que foram proibidos de falar o seu idioma, usar suas vestes típicas e realizar festas e cerimônias segundo suas tradições. O que os ciganos sofreram na Península Ibérica, lembra de certa maneira o que os negros sofreram em terras do Brasil.
Os
ataques da realeza ao grupo Kalon foram tão rigorosos, que ele foi obrigado a
criar um dialeto, mescla de seu próprio idioma com o português e o espanhol, em
particular em Portugal, onde as proibições não foram verbais, mas determinadas
por decreto do rei D. João V.
Apesar de
todos os sofrimentos o Clã Kalon sobrevive até os dias atuais, sendo um dos
grupos que mais fielmente segue as tradições ciganas. Tem-se que os Kalons
originaram-se no antigo Egito.
GRUPO
MOLDÁVIO
De pele mais clara e olhos azuis, este grupo originou-se em terras da Rússia, tendo de enfrentar os rigores do inverno russo em suas precárias carroças. Sob as pesadas roupas e capotes escuros mal reconhecemos sua origem cigana. A denominação moldávio vem da palavra Moldávia, república da Europa central, que chegou a fazer parte do Império Russo e da antiga URSS. Há poucas diferenças entre o dialeto moldávio e o romeno; contudo, distinguem-se fortemente na escrita, uma vez que o moldávio adotou o alfabeto cirílico (Dicionário Aurélio).
De pele mais clara e olhos azuis, este grupo originou-se em terras da Rússia, tendo de enfrentar os rigores do inverno russo em suas precárias carroças. Sob as pesadas roupas e capotes escuros mal reconhecemos sua origem cigana. A denominação moldávio vem da palavra Moldávia, república da Europa central, que chegou a fazer parte do Império Russo e da antiga URSS. Há poucas diferenças entre o dialeto moldávio e o romeno; contudo, distinguem-se fortemente na escrita, uma vez que o moldávio adotou o alfabeto cirílico (Dicionário Aurélio).
GRUPO
HOHARANÔ
Surgiram em terras turcas e se destacaram em especial como grandes criadores de cavalos. Os integrantes deste grupo chegaram ao Brasil bem depois do grupo Kalon, somente no final do século XVIII.
Surgiram em terras turcas e se destacaram em especial como grandes criadores de cavalos. Os integrantes deste grupo chegaram ao Brasil bem depois do grupo Kalon, somente no final do século XVIII.
GRUPOS
KALDERASH E MATCHUIYA
Os ciganos do grupo Kalderash são originários da Romênia e da antiga Iugoslávia, o berço dos Matchuiya. Ambos os grupos chegaram ao Brasil no final do século XVIII. Os primeiros ciganos a chegarem no Brasil eram do grupo Kalon e vieram de Portugal em meados do século XVII. Portugal, necessitando de mestres de forja no Brasil, enviou-os para cá para que fabricassem ferraduras, armamentos e ferramentas. Faziam também artesanalmente utensílios domésticos, seus tachos e alambiques para o fabrico da cachaça, famosos até hoje por serem extremamente bem feitos e resistentes.
Os ciganos do grupo Kalderash são originários da Romênia e da antiga Iugoslávia, o berço dos Matchuiya. Ambos os grupos chegaram ao Brasil no final do século XVIII. Os primeiros ciganos a chegarem no Brasil eram do grupo Kalon e vieram de Portugal em meados do século XVII. Portugal, necessitando de mestres de forja no Brasil, enviou-os para cá para que fabricassem ferraduras, armamentos e ferramentas. Faziam também artesanalmente utensílios domésticos, seus tachos e alambiques para o fabrico da cachaça, famosos até hoje por serem extremamente bem feitos e resistentes.
A FAMÍLIA
O comando
da família é exercido de maneira completa e responsável pelo homem. Ele é o
líder e à ele competem a proteção, a segurança e o sustento da família. A mulher
e os filhos o respeitam como máxima autoridade e lhe são inteiramente
subordinados.
São os
homens que resolvem as pendências, acertam o casamento dos filhos, decidem o
destino da viagem e se reúnem em conselhos sobre assuntos abrangentes e comuns
ao Clã.
As
mulheres ciganas não trabalham fora do lar e quando vão às ruas para ler a
sorte, esta tarefa é entendida como um cumprimento de tradições e não como
parte do sustento da família, apesar de elas entregarem aos maridos todo o
dinheiro conseguido.
Os ciganos
formam casais legítimos unidos pelos laços do matrimônio, não fazendo pare de
seus costumes viverem amasiados ou aceitarem o concubinato. Vivem juntos
geralmente até a morte e raramente ocorrem entre eles separações ou divórcios,
que somente acontecem se existir uma razão muitíssimo grave e com decisão do
Tribunal reunido para julgar a questão.
Os pares
ciganos, marido e mulher, são muito reservados e discretos em público, não
trocando nenhum tipo de carinho que possa ser entendido como intimidade, que é
vivida somente em absoluta privacidade.
Enquanto
o homem representa o esteio e o braço forte da família, a mulher significa o
lado terno e de proteção espiritual dos lares ciganos.
Cabe às
mulheres cuidarem das tarefas do lar e as meninas ficam sempre ao redor da mãe,
auxiliando nos trabalhos da casa, ajudando a cuidar dos irmãos menores e
aprendendo as tradições e costumes como a execução da dança, a leitura das
cartas e das mãos, a realização dos rituais e cerimônias, os preceitos
religiosos.
Se uma criança
ou jovem cigano sai dos eixos, tem um comportamento inadequado ou procede mal,
geralmente mulher é responsabilizada por tais feitos.
OS REPRESENTANTES DA SABEDORIA
Talvez em
todo o clã cigano, sejam os idosos os merecedores da mais alta estima e respeito.
Eles são vistos e tratados como os detentores da sabedoria, da experiência de
vida acumulada e seus conselhos são ouvidos pelos jovens e pelos adultos como
sendo a voz do conhecimento aprendido na prática da vida do dia-a-dia.
Responsáveis
pela transmissão oral dos ensinamentos e tradições, eles são considerados como
sábios, o passado vivo e manda a tradição que os mais jovens lhes beijem as
mãos em sinal de respeito. Possuem lugar de destaque nas festividades e
cerimônias, atuando também como conselheiros e consultores nos tribunais de
justiça.
Eles são
cuidados com desvelo e tratados com toda a dignidade pelos demais. Esta forma
de tratamento faz com que se mantenham lúcidos até o final de suas vidas, pois
nada é mais doentio para uma pessoa idosa de qualquer sociedade do que ser
tratada como resto, uma pessoa inútil e sem valor, um fardo ser carregado pelos
mais jovens.
Bibliografia:
CIGANOS - OS FILHOS MÁGICOS DA NATUREZA
de Rosaly Mariza Schepis
CIGANOS - OS FILHOS MÁGICOS DA NATUREZA
de Rosaly Mariza Schepis
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